Propriedade Digital e impactos no Mercado Imobiliário.
A evolução tecnológica e a virtualização das operações são realidades cada vez mais presentes em nosso cotidiano, e um caminho sem volta. Seguindo a trajetória das criptomoedas, as transações envolvendo imóveis também estão migrando para ambientes virtuais, e revolucionando a forma como negócios jurídicos desta natureza até então se estabeleciam.
Para que um imóvel seja transacionado em ambiente virtual, primeiramente, é necessário torna-lo um ativo digital, através do processo denominado de tokenização da propriedade, que consiste na transmissão do domínio junto ao Ofício de Registro de Imóveis para a empresa de tecnologia que será responsável pela digitalização da propriedade, passando o imóvel a ser representado por um token.
Na prática, este processo é realizado por meio de uma “permuta” da propriedade registral com uma NFT (Non Fungible Token), que consiste num certificado digital que garante a autenticidade e a unicidade de um bem, corpóreo um incorpóreo, como por exemplo, obras de arte, músicas, memes e agora imóveis.
Após a digitalização da propriedade, o imóvel fica vinculado a um token criptografado que é disponibilizado para comercialização na plataforma da empresa de tecnologia (blockchain).
Na plataforma virtual, é esse token que é comercializado, de modo que o seu adquirente não passa a ser o proprietário registral do imóvel, mas da NFT que o representa. Exsurge, portanto, uma dualidade na propriedade imobiliária, na medida que, no âmbito registral, o real proprietário do imóvel é a empresa de tecnologia, ao passo que, no ambiente virtual, o adquirente do token é o detentor da propriedade digital, e é quem possui legitimidade para usufruir e transacionar o imóvel.
Portanto, o que é comercializado na plataforma virtual é um token (NFT), que confere ao seu adquirente o direito de residir ou alugar o imóvel, bem como de revende-lo a terceiros, auferindo os lucros de eventual valorização que vier a ocorrer com o bem.
O grande diferencial é que a venda do token prescinde de escritura pública e registro perante o Ofício de Registro Imobiliário, assim como de recolhimento do imposto de transmissão (ITBI), uma vez que a operação é feita absolutamente de forma virtual.
Em que pese, por ora, as transações realizadas em ambiente virtual não impliquem em recolhimento do imposto de transmissão (ITBI), caso houver interesse por parte do detentor do token em realizar o processo inverso, ou seja, retirar o ativo do ambiente virtual e transmitir o domínio do imóvel para a sua titularidade junto ao Ofício de Registro Imobiliário, a operação estará sujeita ao recolhimento do tributo (ITBI), bem como às despesas de escrituração e registro.
Outra vantagem da digitalização da propriedade é a possibilidade de investidores e interessados adquirirem apenas frações do token, hipótese em que o investidor receberá um aluguel proporcional à fração que adquiriu; ou, caso optar em residir no imóvel, receberá o reembolso de parte do aluguel pago mensalmente, como uma espécie de cashback.
Entretanto, é necessário observar que a propriedade digital não permite que sejam efetuadas averbações junto à matrícula do imóvel, tendo em vista que as transações tem por objeto o token (NFT) e não a propriedade registral.
Deste modo, ao menos numa primeira análise, não se mostra conveniente a digitalização da propriedade sobre terrenos em que se pretenda edificar, visto que o adquirente ficará impedido de averbar a futura edificação, bem como de registrar eventual incorporação, enquanto o imóvel for representado por um ativo digital.
No Rio Grande Sul, o processo de tokenização de imóveis foi regulamentado em Novembro de 2021, com a publicação do Provimento Nº 038/2021 da Corregedoria Geral de Justiça, que estabelece as diretrizes para a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis com contrapartida de tokens (NTF). Contudo, a referida normativa não solucionou todas as indagações desta nova modalidade de negócio, e está longe de encerrar o assunto.
Trata-se de um processo disruptivo, fomentado pelo avanço da tecnologia e o dinamismo das transações contemporâneas, que ainda carece de uma regulamentação específica e desafia a legislação atual a se adequar à sua estrutura jurídica, em especial com relação a eventual tributação que incida nas operações realizadas no ambiente virtual.
A relevância e as vantagens da tokenização de ativos para o mercado imobiliário são notórias, facilitando e desburocratizando as transações, tornado os processos mais ágeis e menos onerosos. No entanto, antes de tornar o imóvel um ativo digital, é pertinente que o proprietário busque informações e esclarecimentos junto a um profissional da área, e avalie as conveniências e os inconvenientes inerentes a tal operação.
Anderson Mattuella (OAB/RS 75.999) - Sócio do Escritório Nicolini & Ongaratto Advogados Associados.